Viciado em Cinema e TV (A Sequela) por Nuno Cargaleiro

Abril 16 2007

 

 

 

 

"O Caimão" surgiu no nosso horizonte com um peso bastante grande e uma responsabilidade a suportar, que muitos filmes poderiam não ter a capacidade de harmonizar. O facto dos media e personalidade políticas italianas já terem dado o seu parecer, e imputado a responsabilidade a este filme da perda de Berlusconi , nas passadas eleições, fez com que toda "a gente" já tivesse uma opinião, mesmo antes de verem "O Caimão".

 

Para além disso, é um filme que fala de um contexto muito específico, muito centrado num tema confinado a um país, no qual poderia existir o perigo de plateias estrangeiras não conseguirem identificar-se com a mensagem geral do mesmo. Poderia, mas não é este caso! Por um lado, Nanni Moretti consegue falar num tema difícil com uma subtileza quase despercebida (eu não me enganei na expressão, explicarei adiante), centrando-se mais no lado humano, isto é, nas pessoas, nos cidadãos italianos que viveram estas décadas sobre a influência do governo de Berlusconi e que passado todo este tempo acham que devem ou não discutir o que se passou, procurando reprimir ou exprimir a sua opinião. Apesar de ter opiniões demarcadas, é um argumento que dá abertura às suas personagens, sendo na realidade elas (que são quase como personagens colectivas) o verdadeiro cerne de todo o projecto. Este conceito é algo que também é bastante próximo da realidade portuguesa. Tendo em conta as devidas diferenças, também nós sentimos, há mais tempo do que queremos admitir, a mesma falta de fé, resultando na nossa indiferença à dimensão política, e reprimindo os assuntos mais difíceis " de serem falados.

 

"O Caimão" começa com uma personagem que progressivamente vê o seu universo fragmentado : Bruno (personificado pelo excelente Silvio Orlando), produtor em decadência de filmes de série B , observa com desespero o abandono do projecto que supostamente trabalha há dez anos, a pressão dos bancos que procuram cobrar as dívidas obtidas pela produtora, a perspectiva de ver penhorada a sua empresa, e a separação "amigável" da sua esposa (sua ex-musa), mulher que ainda ama.

 

Neste prisma, conhece uma jovem, Teresa, que lhe apresenta um projecto (simplesmente porque todos os outros já o recusaram) sobre um filme de título "Il Caimano ", que ele sem se aperceber verdadeiramente do tema, propõe para financiamento. Quando percebe que em vez de um thriller de acção, trata-se de "adaptação" da vida de Berlusconi já será tarde demais, e apesar da sua relutância inicial, este projecto tornou-se a sua última hipótese de evitar a falência, e vê-se obrigado a seguir em frente.

 

A subtileza de Moretti passa no argumento que retrata um filme dentro de um filme, aproveitando a situação para representar o meio cinematográfico (assim como as suas responsabilidades, ou pelo menos, as suas possibilidades), mas para justificar o próprio filme, e aproveitar de antemão que os espectadores reflictam sobre o próprio intuito do filme. Como diz Teresa a dado momento, numa altura de frustração , "não percebe o porquê de tanta resistência em falar sobre um assunto presente, já que nos EUA aproveitam todos os momentos para falar sobre a vida dos seus políticos e presidentes". Esta argumentação também é um bom motivo para nós, portugueses, reflectirmos sobre a ausência de filmes e projectos que retratem efectivamente a sociedade anterior a 25 de Abril. Numa altura em que a imagem de Salazar sai vencedor num programa de televisão, para a eleição de "O Maior Português", corremos o risco da nossa visão do passado, senão mesmo a nossa visão do presente, ser deturpada pela nossa repressão ao direito que temos em discutir opiniões, mas que já se tornou prática comum não ser utilizado. Numa altura em que vemos o nível de abstenções a aumentar cada vez mais, tomamos consciência no dia à dia que toda a gente tem opinião a dar, mas são poucos a que a exprimem.

 

Nesse aspecto, não é de admirar a necessidade de Nanni Moretti em mostrar Bruno, o protagonista, como um sujeito que não culpa outras pessoas pela sua própria desgraça. Apesar de desastrado, é bem intencionado, fazendo com o enredo de Moretti não caia num nível em que a plateia não conseguisse (ou não quisesse) identificar-se com ele. Por outro lado, o optimismo de Teresa, apesar de manifestar alguma insegurança típica de quem é novo e inexperiente numa situação de grande responsabilidade, apresenta-nos à perspectiva de determinação e confiança necessária para que o filme não seja linear e visto numa única dimensão.

 

Com os enredos suplementares que se cruzam, encontramos outras histórias, vivências do dia à dia, que apesar de parecerem, não são temas de discussão, mas uma representação do quotidiano. Moretti consegue através desses aspectos ultrapassar o limite espácio-temporal que um filme "político" poderia estar restrito. Além disso, será com esses mesmo aspectos que percebemos que o verdadeiro assunto são as pessoas, já que as personagens que inicialmente nos pareceram figuras tipo transformam-se na representação de qualquer um de nós.

 

 

 Um filme soberbo, centrado mais no ser político, que todos nós somos, do que no contexto político. Assim, apesar de demonstrar opiniões fortes de Moretti em relação a Berlusconi , é um projecto que poderá estender-se no tempo, com capacidade de ser extremamente pertinente a outras nações, que não a italiana.

 

 

 

Excelente

5 Estrelas

 

 

 

publicado por Nuno Cargaleiro às 21:48
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