Inicialmente desconfiei do conceito que Mike Nichols pretendia explorar no seu novo filme. Depois de filmes como “Closer”, a ideia de que este realizador pretendia explorar um argumento associado ao um ambiente “pré-guerra do golfo” e assolado pelo fantasma do 11 de Setembro pareceu-me um pouco dissonante. Apesar do elenco “Oscarizado”, nas mãos de Tom Hanks, Julia Roberts e Philip Seymour Hoffman, a verdade é que não nutri uma grande simpatia ou interesse pelo seu desenvolvimento.
Dessa forma, é com relativa surpresa que verifiquei que estava enganado. Mike Nichols continua a apresentar-nos projectos complexos (embora aparentemente simples), consistentes, sem descuidar o produto final. Este filme é um exemplo disso. Nele, Tom Hanks encarna a pele de Charlie Wilson, um congressista do Estados Unidos, que aparentemente isolado, conseguirá interferir nas relações internacionais entre países do Médio Oriente, e modificar a tendência verificada no confronto existente, na altura, entre o Afeganistão e a antiga União Soviética. Com esta interferência “secreta”, através do fornecimento de armas específicas para contrapor os tanques e ataques aéreos do inimigo, fragilizou a antiga URSS, causando condições que levaram à queda do muro de Berlim e à queda do comunismo. Da mesma forma, catalizou o surgimento de grupos muçulmanos fanáticos e separatistas, que aproveitaram os meios e a formação militar de elite que os Estados Unidos lhe forneceram, que numa sucessão de acontecimentos, culminou no ataque às Torres Gémeas, a 11 de Setembro de 2001.
Porém, “Jogos de Poder” discute estes acontecimentos num tom ligeiro de comédia, onde o dinamizador de tudo, Charlie Wilson, é apresentado como um homem imperfeito, perpetuamente acompanhado por belas donzelas que o assistem nos assuntos de estado, com gosto por uma bela bebida e festarolas. Ao mesmo tempo, será uma das figuras mais inteligentes no meio político em que é retratado, movendo-se por entre esquemas de conhecimentos e favores fornecidos, tal uma velha raposa que não se deixa capturar. O humor de “Jogos de Poder” vive através destas contradições, como a figura de Joanne Herring (Julia Roberts), a sexta mulher mais rica do estado de Texas, que apesar de todo o conforto, luxo e crença católica, se envolve na luta para libertação do Afeganistão, ou do agente da CIA desempenhado por Philip Seymour Hoffman, que divide a sua imagem entre o espião bruto, para o elemento mais consciente e realista da equipa “clandestina” que trabalhou ao lado de Charlie Wilson. Nesse sentido, apesar do filme ser baseado em factos verídicos, Mike Nichols consegue demonstrar-nos subtilmente todo o ridículo e perigo desta situação. Quando conhecimentos de interesse, capital de investimento, e informação privilegiada se juntam, à margem de qualquer governo, conseguem de facto alterar as relações internacionais actuais. Será nesse conceito de fragilidade que Mike Nichols consegue dar o seu pequeno toque de mestre, numa das cenas mais memoráveis do filme, onde Charlie Wilson (Tom Hanks) ouve, com eventual descontracção, os avisos de Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman), ao mesmo tempo que num som invisível, todo o fantasma do cenário pós 11 de Setembro é relembrado ao espectador.
Para além disso, “Jogos de Poder” tem outra vantagem a seu favor, ao não se levar demasiado a sério. Toda a equipa técnica é competente, o elenco é coerente (com especial destaque para Philip Seymor Hoffman e Tom Hanks, possivelmente no seu primeiro nú em cinema), e a destreza de Mike Nichols, ao transformar um assunto real em produto de entretenimento e reflexão, conseguem amparar este projecto a melhores avaliações.
“Jogos de Poder” não será um filme memorável sobre guerra ou política, mas um projecto interessante sobre o ser humano integrado no mundo. Num discurso bem disposto e humorado, com um conflito contemporâneo como pano de fundo, demonstram-nos que a responsabilidade, consciência e interesses internacionais não se encontram necessariamente relacionados.
7/10
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